Domingo, 26.10.08

Rumo ao Norte

                                    Rumo ao Norte

 

 

 

Finalmente chegou o dia da partida. Tínhamos recebido ordens para avisarmos todo o pessoal de que se precisassem de comprar alguns objectos pessoais o deveria fazer naquela tarde, pois na manhã seguinte teríamos de sair do Grafanil. Havia outro batalhão a chegar que iria ocupar o nosso lugar.

 

Na manhã seguinte, depois da distribuição das rações de combate, embarcámos. A deslocação era feita por companhias. Mesmo assim cada coluna, composta por jipes, GMS. Unimog,s, e algumas viaturas civis que transportavam materiais diversos, era muito extensas.

 

Agora é que era: íamos sair do Grafanil. A minha expectativa era grande; Para que lado iríamos? 

O Capitão ia na frente. Era a primeira viatura. O Senhor Capitão não poderia apanhar com o pó nas ventas! Para isso ele era Capitão. A viatura onde eu seguia com a minha secção – um Unimog – ia em sexto ou sétimo lugar na coluna. Ao lado do condutor, de pé, tentando ver a viatura do Capitão, que parou à saída. As restantes viaturas iam-se aproximando, até que toda a coluna parou. O Capitão fez sinal com o braço, indicando que seguiríamos para a direita.

Senti-me aliviado não sei porquê. Se fosse para a esquerda se calhar ficaria triste. Mal sabia o que nos esperava!

 

A marcha começou lenta. Seguimos pela estrada que ia dar a Malange. Passados dezasseis quilómetros surge a povoação de Viana; continuámos viagem sem problemas de maior. Nem avarias haviam nas viaturas algumas já da segunda guerra mundial. Íamos olhando a paisagem. Aqui uma sanzala, alem à esquerda, uma plantação de sisal, grande como o país, só comparável no “Puto” a alguma fazenda Alentejana. País grande, pensei. E nós em Portugal a cavar pedra em Trás-os-Montes para podermos cultivar qualquer coisa. O ronronar dos motores das viaturas adormecia os sentidos. Hei! Nada disso! Não pode ser! Olho à viva! Condutor, como vai isso? Vais cansado? Não meu furriel, isto é chato, mas vamos andando, disse-me .

Olha! Uma povoação com casas de alvenaria ao longe! Fomos andando e apareceu uma placa na estrada que dizia Catete. Olhei o conta-quilómetros. Tínhamos andado sessenta quilómetros.

Lembrei-me que em Luanda o Sr. Nero me disse que aos domingos, por vezes, iam tomar a bica a Catete. Eram só sessenta quilómetros!...

 

Fomos andando, até que passámos pela “Vila Salazar” (no meu tempo de escola primária aprendi que se chamava N, Dalatando). Aquele homem tinha o nome em tudo que era sítio. Se ele algum dia tivesse vindo ver esta província, como ele dizia, teria chegado à conclusão, como Norton de Matos, que o governo devia estar em Angola e o “Puto” ser um local de férias na Europa, para os Ultramarinos. Nunca saiu de “casa”! Só conhecia o ultramar de ouvido (por aquilo que lhe contavam); ficou com ideias fixas e os resultados ficaram à vista.

 

Só não consigo esquecer o que ele um dia disse “ O ultramar não se perde em Africa, se se  perder, é na Europa”!

 

Chegados ao Lucála houve ordem de paragem, para descanso das viaturas e do pessoal. Tivemos um tempo para descanso, e ordem para visitar a povoação muito simpática por sinal. Foi aí que vi pela primeira vez lagostins de água doce, no rio que passava junta à povoação.

Arrancámos. Á saída de Lucála voltámos à esquerda, e, finalmente rumámos a norte. A coluna militar era longa, a “estrada” era de uma espécie de barro vermelho, As viaturas levantavam um pó infernal. Era impossível usar os óculos. Os óculos iam para o bolso e do bolso saia um lenço, que era o lenço usado pela tropa. Era verde, grande, a lembrar o lenço tabaqueiro que o meu pai usava, e que nos fazia muito jeito. Era amarrado por cima do nariz e dava-se um nó atrás da cabeça. Assim podíamos respirar menos mal.

A viagem ia prosseguindo sem problemas de maior. Nem as viaturas avariavam, o que nos parecia milagre, pois havia viaturas como as GMC, que já eram da segunda guerra mundial. Íamos passando por sanzalas e povoações. De repente, á entrada da vila 31 de Janeiro – meu Deus – pensei eu: Que é aquilo? – Era a escola lá do sítio, igualzinha a uma que havia na Gafanha da Vagueira, cor e tudo! A arquitectura, a cor – uma cor ocre, feita em adobes, tudo igual! Como é possível? E a memória retrocede: - A minha terra, a minha família … Meu Deus, porquê? Há momentos na vida em que era preferível não ter memória…

 

Chegámos a Camabatela onde devíamos passar a noite. As viaturas foram chegando e aparcaram para passar a noite. A malta dormiria nas viaturas. De repente o alarme! Falta a viatura do Furriel Miranda. Que é feito deles? O Capitão chamou o Sargento Mecânico Lino;

 

- Ouça ó Lino o Sargento Miranda não teria tido uma avaria e ficado para traz?

- Não meu Capitão. A minha viatura era a última e nenhuma ficou para traz.

 

Não me afligi muito ao saber que a viatura não tinha ficado para trás. Conhecendo como conhecia o Miranda, certamente chateado com a marcha lenta da caravana, deve ter andado em marcha mais acelerada e estaria à nossa espera mais à frente. Mas como não respondia às chamadas da rádio, todos ficámos preocupados, embora já soubéssemos que as transmissões eram o calcanhar de Aquiles da nossa tropa! Ah… não há-de ser nada de mal! Falei com um soldado da companhia que estava aquartelada em Camabatela e ele disse-me que estava outra companhia aquartelada mais à frente a uns trinta quilómetros. Trinta quilómetros só com uma viatura, por estradas desconhecidas, de noite, mas que teria dado ao Miranda? Pensei eu.

Nisto aparece um estafeta perguntando quem era o comandante daquela tropa:

- É aquele ali. È o Capitão. O estafeta dirigiu-se a ele e entregou-lhe uma mensagem.

 

Vi o Capitão respirar de alívio e ouvi-o gritar em altos berros:

- O Miranda está num destacamento a trinta quilómetros à frente. Amanhã vai levar uma “porrada” que nem sabe de que terra é! Todos respirámos de alívio. Afinal não tinha havido azar.

O Sr. Capitão esqueceu-se que com o cair da noite, e o pó que as viaturas levantavam, tinha de haver uma maior distância entre elas, e por vezes nem os faróis da viatura que vinha atrás se viam. Enfim, coisas de quem manda.

 

 No dia seguinte, depois da alvorada, foi organizada a coluna e partimos, sempre para o norte. A nossa orientação era o sol. As viaturas pareciam querer colar-se ao solo. A caixa de velocidades das viaturas tinha de trabalhar em constantes reduções. A velocidade diminuía aqui, voltava a subir além! A velocidade era pequena!

Mais tarde viemos a saber que íamos a passar pelas minas de cobre do Mavoio! Passámos por diversas povoações, onde se viam poucos habitante, brancos e pretos, até que chegámos a Maquela do Zombo, uma cidade, com diversas casas comerciais, lojas que pareciam bem abastecidas.

 

Era meio da tarde e a ordem foi para estacionar e aguardar a manhã seguinte. Partiríamos logo que fosse dia, para tentar chegar ao destino ainda nesse dia.

 

Como sempre sucede, a tropa estacionada procurava entre os “maçaricos” – tropa-nova – se haveria alguém da sua terra. Era uma azáfama. Uns encontravam alguém conhecido, e a pergunta era sempre a mesma: - como está fulano? E sicrano? A filha dele já casou? Outros não tinham tanta sorte e ficavam desapontados, tristes.

- Deixa lá pá! Amanhã vem outra companhia do nosso batalhão e pode ser que venha alguém da tua terra. Agora diz-me tu. Como é isto por aqui?

- Olha, responde-me o outro, andamos na psicossocial, mas nunca sabemos quando estamos a falar com um amigo ou um inimigo. Somos do batalhão do Spínola e ele tem a mania da psicossocial. Tem resultado, mas é preciso ter muita paciência. É um trabalho moroso, mas já conseguimos recuperar meia dúzia de sanzalas, que ficam aqui à volta da cidade e para sul., donde vocês passaram.

Estranhei a conversa do militar e as informações que estava a prestar. O fato de combate que vestia estava sujo e             ele  tinha a barba comprida.

- Qual é o teu posto? Perguntei:

- Alferes Miliciano Garrido, respondeu estendendo-me a mão:

- Sargento Miliciano Ribau, apresentei-me retribuindo o cumprimento.

 

Conversámos algum tempo. Fiquei a saber por ele que a sede do nosso Batalhão iria ficar em Cuimba, mas a distribuição das Companhias era da responsabilidade do comando do Batalhão, pelo que não soube adiantar mais sobre o assunto. Disse-me ainda que iríamos passar pelo menos dois rios cujas pontes estavam em muito mau estado, ou mesmo destruídas. Recomendou-me para avisar o “pessoal” de que pretos que encontrássemos nas sanzalas deveriam ser respeitados. Poderiam ser inimigos mas poderiam ser também amigos, e, se bem tratados, poderiam mais tarde dar-nos informações muito úteis sobre o inimigo. Coisas desta guerra. Nunca se sabia onde estava o inimigo! Provavelmente alguns estariam em Maquela do Zombo onde nos encontrávamos neste momento, de passagem, vigiando os nossos movimentos para passar a informação para o outro lado da fronteira, que ficava a uma escassa meia dúzia de quilómetros. Quem sabe! Despedimo-nos desejando recíprocas felicidades, indo cada um para seu lado.

 

Dirigi-me para a minha viatura onde o condutor, cansado de tantas horas agarrado ao volante, dormia profundamente. Na caixa do “unimog” outros soldados conversavam, tentando aconchegar-se para passarem a noite o melhor que pudessem. Sentei-me ao lado do condutor e devo ter adormecido, pois acordei já a aurora raiava. O pequeno -almoço, um copo do cantil cheio de café com bolacha da ração de combate, e estava feito.

Houve ordem para pôr os motores em marcha; começaram a ouvir-se, primeiro um, depois outro até que estava tudo preparado para arrancar. E o meu condutor mal abria os olhos – era um pouca tripa e estava todo roto – como se diz na gíria. Valha-me Deus, pensei.

- Oh pá queres que eu conduza um bocado? Ta bem meu furriel. O nosso Capitão não se chateará?

- Não, deixa isso comigo. E passei para o volante.

Ao sentar-me ao volante noto que à minha frente vinha o Capitão aos berros com uma vergasta na mão! Oh pá daqui para a frente é que é perigoso não há mais tropas nossas! Cuidado com a condução! E dava uma vergastada no condutor de cada uma das viaturas por onde passava.

Pareceu-me isto tão mal – os homens não são nenhum rebanho – que me pus de pé em cima do banco do condutor, peguei na FBP, puxei a culatra a traz! A arma estava em posição de fogo! Entretanto o Capitão ia-se chegando à nossa viatura. Ouvi o Cabo Pombal dizer:

- Meu furriel, veja lá o que vai fazer!

O Capitão passou pela nossa viatura olhando de través: - Cuidado com a condução Ribau. E seguiu para a próxima viatura onde continuou com o mesmo serviço.

- O meu furriel o que é que ia fazer? perguntou-me o Pombal:

- Se ele fizesse o mesmo comigo, eu tinha-lhe descarregado o carregador todo no bucho! disse…

- Pois é; e depois?

Interiormente dei razão ao Pombal, pus a arma em segurança e guardei-a.

 

Houve ordem de avançar. Começamos a andar e com o trabalhar dos motores comecei a ficar mais descansado. Meu Deus o que eu teria feito se o homem me tivesse agredido! É que naquele momento eu teria disparado mesmo! Há momentos na vida em que até nós mesmos nos desconhecemos.

Avançávamos. Passámos por matas, estepes com árvores raras, aqui e acolá saltava um animal por cima da vegetação baixa. Terras que em Portugal seriam óptimas para cultivo, mas aqui eram só mato. Junto às cubatas ainda se notavam vestígios de cultivo de subsistência – fuba e milho – e pouco mais.

Chegámos ao primeiro rio. A ponte, se assim lhe poderemos chamar, eram quatro grossos troncos de árvore amarrados dois a dois, para não se desviarem quando a viatura passasse. O rio era baixo e tinha bancos de areia junto à margem.

Primeira coisa a fazer: Examinar a “ponte” por baixo pois podia estar minada. Desço da viatura acerco-me da ponte e vou a descer quando ouço um grito de cima da viatura;

-Cuidado meu furriel! Olhei para a viatura e indaguei com a cabeça o que se passava. Então, apontando na direcção do rio, um tropa disse: Um “corcodilo”! Olhei na direcção indicada e o “dito cujo” deslizava vagarosamente da areia onde se encontrava a tomar banhos de sol, e meteu-se na água, calmamente, como se o tivessem chateado ao acordarem-no da sonolência em que se encontrava. Tomei mais cuidado, desci ao rio e observei a ponte por baixo. Não vi nada de anormal. Avançamos.! Dois tropas passaram para o outro lado da ponte donde orientavam a progressão da viatura. Mais para a esquerda. Agora a direito, sempre a direito e devagar; avança, avança… pronto. Já está.

Já do outro lado do rio avançamos um bocado para que todas as viaturas pudessem passar e montámos segurança. Esta segurança era muito relativa. No caso, dois homens de pé em cima da viatura um observando para cada lado da estrada, até que a coluna retomou o andamento. Passámos o segundo rio cuja ponte se encontrava em muito melhor estado que a primeira e não ofereceu resistência á nossa passagem.

Finalmente chegámos a Cuimba onde iria ficar o Comando do Batalhão e a Companhia de Comando e Serviços.

Povoação indicada no mapa. Concelho, Cidade, não sei. Posto Administrativo tinha sido.

Olho bem. A povoação, meia dúzia de casas, se tanto, do tipo colonial, de rés-do-chão, varanda a toda a volta, umas com telhado de zinco, outras com telhado de colmo. Estes telhados avançavam para fora das paredes e das varandas, protegendo assim as varandas e o interior das casas do sol, que em certas épocas do ano é tórrido.

Mais uma paragem. Só no dia seguinte seguiríamos para o nosso destino. Na reunião que houve à noite soubemos finalmente: a 306 vai para Pangala.

Procurei afanosamente no meu mapa. Tinha-mos de seguir pela estrada que vai de Cuimba para São Salvador do Congo e mais ou menos a meio desse caminho virávamos à direita na estrada que vai dar à Buela. Andaríamos umas horas até que apareceria  na estrada, à direita uma casa comercial de um branco, abandonada. Era nessa casa que ficaria instalado o comando da Companhia. 

 

                           

                                                Cuimba (Foto da Net)

                                             

Partimos no dia seguinte logo de manhã cedo. O tipo de ambiente era sempre o mesmo: mata e vegetação baixa. Quando passadas umas horas de viagem o sol torrava-nos as costas; começamos a descer. Era uma descida suave, extensa. Ao longe viam-se arvores: mais uma mata pensei. Só que esta era muito verdejante, sinal de que ali devia haver água. Deveria dar para lavar a cara à vontade, coisa que já não fazíamos há muito tempo. Parte da companhia já tinha passado o riacho, chamado “Cuilo” que, embora levando muita água permitia a passagem das viaturas sem problemas de maior. Não foi autorizada a paragem e a companhia seguiu o seu caminho calmamente, quando, sem o menor aviso, se começaram a ouvir rajadas de metralhadora, do outro lado do riacho e da mata que ficava á nossa direita. Cornos no chão, era o que tínhamos de fazer e fizemos sem esperar qualquer ordem. Eu tive azar porque a minha aliança ficou presa num dos ganchos que seguram o toldo da viatura. Aflito lá consegui desenfrascar-me Ainda não tinha chegado ao chão quando uma bala cantou – segundo mais tarde observei – exactamente no gancho onde eu tinha ficado preso. É preciso sorte para tudo! Adiante.

Respondemos ao fogo durante algum tempo, até que da frente veio a ordem de parar o fogo. Ficou um silêncio de morte. Ninguém se mexia.

 

Embarcar e avançar foi a ordem ouvida. Assim fizemos. Cautelosamente, um de cada vez tomava o seu lugar na viatura, arma apontada, pronta a fazer fogo. As viaturas avançaram e continuámos viagem. Quando a nossa viatura passou pelo riacho uma fresquidão saborosa assaltou os nossos corpos suados. As árvores eram altas e frondosas. Havia canas da Índia com seis ou sete metros de altura, e um diâmetro igual ao da minha coxa. Meu Deus aqui a natureza foi pródiga, talvez porque a zona seja pouco habitada! Faltavam os maiores destruidores da natureza, os homens!

Prosseguimos o nosso caminho, sempre a mesma coisa: mata capim, capim mata: Hei! Que é aquilo?! Finalmente um sinal de civilização: Um sinal de aproximação de estrada sem prioridade e os dizeres “ Gasolina Sphinx” e por baixo Vacuun Company, Isto no meio de uma imensidão de terreno, onde já tínhamos desistido de encontrar qualquer sinal da dita

 “civilização”. Era impensável. Aproximação de estrada sem prioridade.

   

                     Um sinal de civilização

 

Provavelmente seria o desvio para Pangala. Mas, aproximação de estrada no pais onde nos encontrávamos não nos dizia muita coisa. De maneira que o melhor era ir andando e esperando. Era melhor contar tempo e não distância! Fomos andando e passados uns tempos lá apareceu o tal desvio, por onde continuámos viagem. Até que chegámos ao local. Desolados encontrámos a tal casa abandonada. Ficava antes da sanzala chamada Pangala, mas era ali que a nossa companhia iria ficar, mais de um ano. Que tristeza. Que desconforto. Havia companhias que destacadas em fazendas, tinham instalações que, comparadas com o nada que encontrámos eram um luxo. Tínhamos de fazer tudo. O Capim era alto. Quase da altura de um homem. Chegados, tivemos que descapinar para arranjas espaço para montar as tendas nessa noite.

 

 

                                                        Casa de Pangala

 

A.Ribau Teixeira 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por gatobranco às 12:03 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Terça-feira, 14.10.08

VENTANIA

 

 

A tarde estava a findar, eram horas do “jantar”. Lá fomos à comida, que mastigámos com apreensão. O vento tinha subido de intensidade e já soprava com violência. Alguns olhavam para a cobertura da caserna – (se o vento como está pega “nisto”, vai tudo pelo ar) já se ouvia!
E assim foi. O telhado começou a bater tal era a intensidade do vento! Parecia querer levantar voou.
Nisto ouve-se um berro do Lino: Cada um dependura-se no seu barrote, se não ficamos sem telhado. Assim fizemos, aguentando dependurados, ouvindo o rugido do vento. Passado um bocado o vento começou a amainar.
Então ouviu-se a ordem do “Eng.º. Lino”: - Podemos largar, que já não deve haver azar!
Assim fizemos. Deixamo-nos cair para o chão, ajeitámos a fralda da camisa, que, dada a posição em que tínhamos estado estava toda destrilhada. O vento continuou a acalmar, e passado um bocado estava quase calmaria. O furriel Silveira, que estava de serviço (era um maçarico que viera substituir um colega ferido em combate) saiu da caserna para ir fazer a ronda. Era chato fazer a ronda com aquele terreno todo enlameado. Passado um pouco aparece-me à porta da caserna: - É pá anda ver o espectáculo!
Curiosidade minha. Saí.
 
Dei com o Silveira de cabeça no ar a olhar para a lua!
As nuvens tinham desaparecido com o vento, o céu estava límpido, o ar tinha sido lavado pela chuva, só se viam uns castelos de nuvens branca muito ao longe, sobre a Serra da Canda, e sobre nós as estelas brilhavam, só ofuscadas belo brilho daquele luar belo, lindo!
O Silveira nunca tinha visto tal espectáculo. Só conhecia as noites sem luar, que são escuras como breu. Como é possível, dizia ele extasiado!
Estivemos um bocado a olhar para o infinito, sem dizer palavra. Com a chuva a noite tinha esfriado. Vou até lá dentro diz o Silveira. E entrou na caserna.
 
Fiquei mais um pouco a desfrutar daquela maravilha que a natureza me oferecia, e resolvi ir até ao posto de observação, para ver como era de lá!
Subi, sentei-me e acendi um cigarro, ficando a olhar ao longe a paisagem já minha conhecida, mas que ao luar não parecia tão crua.
O tempo fresco fez-me lembrar o luar de Janeiro na minha terra. Também era brilhante, mas não tanto como este. A minha terra… a minha terra…
 
E pensei no que andamos nós aqui a fazer! Porque fizeram os terroristas tantos mortes, porque mataram mulheres e crianças. Essas pessoas não lhes fizeram mal concerteza.
 A nossa missão é evitar que actos destes se repitam. Por isso neste lugar a nossa missão é evitar a sua passagem do Congo para o interior de Angola. Era difícil, nem sempre se conseguia!
Tanto manda cada um em sua casa que, mesmo depois de morto são precisos quatro para o tirarem de lá para fora…
 
E pensei na minha terra, na minha família, nos colegas da escola. Por que pensa a cabeça quando o corpo está descansado? Até a dormir a cabeça não descansa. Rara é a noite em que ela não sonha com coisas extravagantes, como o estarmos a beijar o nosso filho, estarmos a ser cumprimentados pelo nosso vizinho Sarabando – então vizinho, diz-me ele; como era aquilo por lá? Como se eu já tivesse regressado!...
E eu ali no Posto de Observação, pensando, olhando o luar daquela noite. Era lindo, mas não era o da minha terra!
 
A. Ribau Teixeira ( in Memórias de um ex-combatente)
publicado por gatobranco às 10:05 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Segunda-feira, 13.10.08

A jangada

 

 

 

  O rio Quanza, próximo da foz, onde o atravessávamos vindos de Luanda para Cabo Ledo, ou em sentido inverso, era um lençol de água em movimento espectacular.
  Uma jangada rústica mas robusta, associada à perícia do barqueiro, proporcionava passagens tranquilas que davam para apreciar aquele espectáculo.
  Quando a travessia ocorria com a maré cheia, as águas eram mais lentas, quase não se sentia a corrente, mas se acontecia a viagem ter lugar com a baixa- mar, então a corrente era forte, marulhando nos bordos da jangada.
  Por vezes, depois de grandes chuvas, sucedia um espectáculo único: grandes massas de terreno, suportado pelas raízes de plantas, desprendiam-se das margens e constituíam verdadeiras ilhas flutuantes. Para nossa satisfação e preocupação do barqueiro, vimos um dia uma que trazia uma árvore de porte médio e que passou por nós, bem perto da jangada.
Mais tarde, conversando com militares destacados na Muxima, soubemos que eles também a tinham visto passar e que era uma das maiores que por ali se avistara.
 
     J. Eduardo Tendeiro   (Apontamentos da guerra)
publicado por gatobranco às 15:52 | link do post | comentar
Sábado, 11.10.08

Um dia de descanso

 

 

 

 

 Lavandaria "Pangala"

 

 

Hoje é dia de descanso do nposso pelotão.Levantei-me com a alvorada, tomei o meu café e fui à mala da roupa ver o que por lá havia. Deparei com um saco de plástico cheio de cuecas e camisatas sujas, a pedirem lavagem há muito tempo.

Fechei a mala, arrastando-a depois para baixo da cama, pensando no que iria fazer!

Exactamente, fazer a cama! Era o que iria fazer.

Pego no cobertor puxando-o para a frente para ficar direitinho! Estava áspero. Olho para as mãos. estavam cheias de pó, as unhas cheias de terra. Era sinal de que há já muito tempo que precisava de ser lavado. Não podia esperar mais. Tinha de ser hoje.

Tirei o cobertor da cama, enrolei-o e meti-o dentro de uma celha que era um barril cortado ao meio e quando os homens foram à água, fui com eles.

 

Chegado à bica de água, enchi em primeiro lugar a celha e, enquanto os homens procediam ao abastecimento, fui tentando lavar o cobertor. Esfrega daqui, vira para ali, uma ensaboadela com sabão azul, mais uma molhadela, mas a porcaria era tanta que, cada vez que mudava de água saia sempre suja

Um soldado que estava de vigia junto à água, olhava-me com ar de gozo! É, meu furriel, se me pagar uma cervejinha fresquinha quando chegarmos ao acampamento, eu acabo de lhe lavar o cobertor.

Olhei-o com desconforto. Devia ter estado a gozar comigo ao ver o meu esforço de lavadeira e a minha falta de jeito para tal serviço. Não me dei por vencido e lá continuei com o meu trabalho. Mas... Porra para uma cerveja. Toma lá o cobertor e acaba de o lavar que eu pago-te a cerveja. O soldado pega na celha e no cobertor e dá-me a sua arma.

-Faça o meu furriel a segurança que eu lavo-lho e quando chegarmos ao acampamento, ainda lho ponho a secar, antes de irmos beber a cerveja!...

 

O rapaz tinha jeito, deu as mesmas voltas que eu tinha dado ao cobertor e passado um bocado, deu o serviço por terminado, dizendo  que já estava bem lavado.

Quando regressámos ao acampamento, o rapaz pôs o cobertor a secar no fio e fomos à cantina beber uma cerveja cada um.

Ao regressar à caserna passei pelo estendal, apalpei o cobertor. Embora molhado - ou por isso - estava mais macio! Parece que o serviço mereceu bem as cervejas, sim, as duas, porque eu também bebi uma não fosse o soldado ficar triste por estar a beber sozinho!

Chegado à caserna, sentei-me na cama. Quando olho para o lado lá estava o saco com as cuecas e as camisetas para serem lavadas. Que chatice. Hoje é dia de lavagem, pensei.Tem de ser! Vamos a isto. Pego na roupa suja e dirijo-me para a celha, cheio de coragem, tendo nesse dia lavado toda a roupa suja.

O tempo tinha aquecido, o vento soprava com força, tinha assim ajudado a secar o meu cobertor. À tardinha fui buscá-lo e então fiz a cama. Sentei-me nela e não resisti a estender-me ao comprido, gozando o prazer daquele cobertor macio.

Até tive o cuidado de descalçar as botas para o não sujar.

     

                                               A. Ribau Teixeira   (Memórias)

                                                              

  

 

  

 

 

 

 

 

 

publicado por gatobranco às 23:46 | link do post | comentar
Segunda-feira, 06.10.08

Doutor Luís Alberto Machado LUCIANO

 

O Dr. Luciano, que nas nossas conversas continua muito presente, deixou em todos nós a sua marca de Homem bem formado, amigo, sempre pronto a ajudar.

Quer jogando Vólei, quer tentando ensinar-nos "Rugbi", ouvindo as nossas queixas físicas ou  um desabafo, foi sempre o amigo presente.

Em momentos difíceis da nossa vida em Pangala, com discernimento, soube encontrar soluçôes, evitando conflitos maiores.

Para não ferir a sua modéstia, não alongaremos este elogio, mas não podemos deixar de dizer com muita sinceridade "Obrigado, Doutor Luciano"

 

 

 

 

publicado por gatobranco às 20:36 | link do post | comentar | ver comentários (1)

A água

 

A água foi, de início, um problema para o abastecimento do acampamento de Pangala.
No entanto, após pesquisas aturadas, descobriu-se um manancial que viria a ser suficiente para as necessidades dos “habitantes”do estacionamento da CCE306.
Porém, localizado no fundo de um declive, com acesso difícil, obrigou os militares a encontrar um sistema expedito que passava pela colocação das vasilhas (pipos) num berço que era depois puxado pelo guincho da GMC ou do Unimog.
 
 
 
 
Na primeira foto, o Ribau e o Miranda, accionavam o “sistema”.
Na segunda, o Unimog desce com o autotanque procurando caminho enquanto alguns militares não descuram a segurança.
 
(J.Tendeiro)
 
publicado por gatobranco às 18:47 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 01.10.08

Lá tão longe e sempre tão perto

 

Pesadelo
 
 
O
 reconhecimento aéreo teimava que existia uma picada escondida no capim alto, com início ( ou fim) na estrada para S.Salvador.
Já dois pelotões tinham feito o reconhecimento, mas de picada, nada. Mas, quando uma noite, um dos sentinelas do lado sul, empoleirado no seu posto de vigia, viu “uma luz” em movimento, longe, já na estrada de S. Salvador, Cuinba, a informação do reconhecimento aéreo tomou nova credibilidade e, no dia seguinte, o terceiro pelotão,  que ainda não se tinha dedicado à procura de dita picada, meteu mãos à obra. Fazia parte da missão a detecção da picada, o seu reconhecimento e, ainda, a análise do terreno para uma eventual emboscada nocturna.
Saíram cedo. O alferes queria “todo o tempo do mundo para encontra a merda da picada que já cheirava mal”.
 
Perto das onze, um coro de assobios com várias modulações irrompeu dos altifalantes do posto de rádio da Companhia e o telefonista do pelotão em missão atroou os ares com o seu chamamento: “ Casa, casa, rato chama!” – código estúpido estabelecido para aquela missão – repetiu-o desnecessariamente várias vezes e só então deu azo a que o telefonista da base respondesse um lacónico “Aqui casa, escuto”.
A voz do alferes, perpassada por alguma euforia mandou avisar Charlie Mike – o Comandante da Companhia – de que o objectivo estava localizado e ia dar continuidade à operação.
Charlie Mike estendeu por bem não comentar e os alferes dos outros pelotões, os que tinham falhado nas pesquisas anteriores, fizeram sorrisos amarelos – questão de sorte, todos sabemos que é assim.
 
No terreno, a famosa picada não era mais que um ténue carreiro, por vezes um túnel, serpenteando por entre o canavial de capim alto e de caules grossos. Não passava mais que um homem de cada vez e parecia haver o cuidado de não o alargar . Efectivamente, só o reconhecimento aéreo o poderia ter detectado. Em fila indiana, gerida por secção, o pelotão iniciou a sua exploração com muito cuidado.
Alguém sussurrou : “Se os gajos nos estão a ver, basta-lhes um fósforo para ficarmos aqui assados que nem porcos…”
“Fecha a boca e aperta o cu para não te cagares de medo” – foi a réplica que outro lhe endereçou.
“Cheira aqui mal… o gajo já se borrou!”
O cenho franzido do furriel com um dedo sobre a boca, impôs silêncio.
Uma hora depois, com uma mata à vista para a qual parecia que o carreiro se encaminhava, atingiram uma pequena clareira. No chão terroso, havia vestígios de gente calçada e descalça. Um tronco derrubado parecia ter servido de assento. Mais ao lado, uma pedra grande dava algum abrigo do sol impiedoso.
“É aqui que os gajos descansam”
“Ou se juntam!”...
“Também pode ser”…
Da confabulação do alferes com os chefes de secção, acordou-se que iriam avançar um pouco mais, mas a entrada na mata foi vetada por unanimidade.
Tratava-se de encontrar referências no terreno para futura missão e, como tal, aproximaram-se cuidadosos da mata, tentando encontrar um curso de água ou qualquer outra referência evidente para a continuidade da operação, talvez com mais efectivos.
O “Reguila”, um cabo que carregava a bazuca, murmurou entre dentes “ Pois claro, eles vão ficar à nossa espera”.
Mas não esperaram. A primeira rajada estrondeou por entre o capim, nas suas costas, muito baixa, sem atingir ninguém. A resposta não se fez esperar mas teve o condão de desencadear fogo do lado da mata.
Entalados entre dois fogos, as secções manobraram em acções de recuo em direcção a um terreno rochoso, em busca de abrigo. Por entre os tiros de armas de repetição, ouvia-se com frequência alguma rajada dando a entender que o atacante tinha armas automáticas.
O fogo do lado da mata, a mais de cem metros, era pouco significativo e as secções, atingido o terreno rochoso, abrigaram-se e começaram a responder sistematicamente. As G3 abriam estradas no capim e foi possível ver movimentos que denunciavam o atacante que se aproximava.
O alferes confabulou com um furriel e, por sinais, uma secção foi deslocada em arco, numa manobra de envolvimento.
Mas o Sabugo, correndo em campo aberto, trambolhou e berrou de dor agarrado a uma perna. No sítio onde ficara ia ser peça para tiro ao alvo.
Foi então que o furriel Jota berrou “Cubram-me” e logo que a fuzilaria começou, saltou do abrigo e, em ziguezagues de louco se aproximou do ferido, o carregou ao ombro e regressou com ele a salvo.
 
“Merda, pá! Vai berrar para outro lado! Eu quero dormir! Vê se te acalmas!”
Jota, enrolado na cama desfeita, encandeado com a luz, olhava o companheiro de quarto de olhos dilatados, com dificuldade em se situar.
Mais conformado, o que antes se irritara, com uma ponta de compreensão na voz, retomou:
“Estás encharcado em transpiração. Vai tomar um banho, engole aí um Valium e vê se descansas.” – Preocupado, quis confirmar – “ É aquela emboscada, não é?”
Nu e trémulo, Jota, a caminho da casa de banho, aquiesceu com a cabeça.
Estendendo o braço e aplicando uma palmada de amizade na omoplata do amigo, lem-brou-lhe:
“Salvaste a vida ao Sabugo, foste um herói…”
Sem reagir, fechou de mansinho a porta da casa de banho e abriu o chuveiro. A água arrastou consigo o sabor amargo das lágrimas.
 
(Relato ficcionado)            J.Eduardo Tendeiro
publicado por gatobranco às 17:10 | link do post | comentar | ver comentários (4)

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