Segunda-feira, 30.11.09

ALMEIRIM 2009

 

 

Chegaram aos poucos como estava previsto na “missão” delineada. O planeamento fora demorado e por fim acordado o local de reunião: a gare de caminho de ferro de Santarém. Objectivo da “Missão”: confraternizar a expensas do Acréscimo Vitalício de Pensão, cada vez mais reduzido.

O Marques Alves, com a esposa compareceram cedo e, quando o Tendeiro chegou no Intercidades da Beira Baixa encontrou-o especado no cais, mirando os passageiros que desembarcavam.

Após um primeiro olhar e desfeita a dúvida inicial – não se viam há mais de quarenta anos – abraçaram-se efusivamente. Apresentada a esposa, procuraram um local mais cómodo para aguardarem o Miranda e o Ribau que tardariam ainda uma hora. A conversa entre eles era reservada, prospectiva: que tinham feito em tantos anos, quantos filhos, se havia netos. O Marques Alves mais gordo, o Tendeiro quase na mesma.

O Costa Pereira irrompeu na cena com o seu habitual ar de pesquisador, redobraram-se os abraços, quiseram saber das melhoras da Esposa que convalescia duma doença grave. A Maria Ivone recuperava lentamente. Todos se congratularam e o Tendeiro avançou mesmo que no verão seguinte ela já iria até às terras da Beira. O marido preferiu não validar o prognóstico.

Sobre a hora prevista, o Miranda, o Ribau e a esposa chegaram também e o Cura com a respectiva esposa, não tardaram.

O grupo estava completo, mas para que o Malha (pasto de AVCs) pudesse também participar, rumaram a Almeirim. Com a esposa, juntou-se ao grupo que o aguardava à porta de sua casa.

E a caravana, transpirando felicidade pelo encontro, demandou o restaurante.

 

  

À volta da mesa, as senhoras alegando necessidade de conversarem deixaram que os homens, os guerreiros de antanho, ficassem todos juntos.

Acertada a ementa, em conversas cruzadas, o passado emergiu. Ribau e Tendeiro embrenharam-se pela fotografia, tema que os unira durante a guerra. O Marques Alves, solicitado para escolher o vinho – era o seu pelouro – preferiu um alentejano.

 

 

 

 

 O Miranda, ainda com o seu proverbial humor, “atacou” o Cura verberando a “riqueza” que acumulara em Pangala e Cabo Ledo, amealhando vegetais desidratados enquanto o Costa Pereira saltitava de conversa em conversa. Durante a refeição conferiram brevemente as suas mazelas. O Malha seguia atentamente as pequenas discussões, de vez em quando desligava-se mas retomava novamente o rumo das conversas.

 

 

 

 

 

No outro lado da mesa as senhoras conversavam. No fácies de cada uma havia marcas indeléveis de guerra ou pós guerra. Todas elas tiveram o seu tremendo papel de amortecedoras das patologias de guerra dos maridos para com a família e a sociedade.

Certamente abordaram o tema, mas eles, demasiado empenhados nas suas conversas e bravatas, não o terão notado nem reparado no olhar terno que por vezes lançavam em direcção do seu “protegido”. Desempenhavam o papel que os anos de vivência com cada um deles lhes ensinara.

 

 

 

 

Tiraram-se fotos que registariam para a posteridade o encontro já nomeado para nova edição.

A partida foi breve, quase súbita. Aqueles poucos Caçadores Especiais da CCE306 mal tiveram tempo de mostrar as suas próteses circulatórias, mas mesmo assim, ainda desnudam o ombro para as exibir. Aceitam-nas como males menores para continuarem a usufruir a vida que em tempos foi tão madrasta.

O Miranda, com o  sorriso que tantas vezes lhe vimos nos piores momentos, também mostrou o seu ombro, mas sem nada, como que a dizer “aqui não entra nada”.

Efectivamente., de todos, ele será aquele que, à vista desarmada, menos mazelas apresenta.

 

 

 

 

 

 Duas fotografias de grupo à porta do restaurante e a saída do Costa Pereira com o Tendeiro marcaram a debandada rumo a Santarém.

 

Mas aqueles breves abraços, necessariamente breves para evitar a explosão da afectividade contida durante o dia, são pilares de betão que os enleiam e fortalecem. Sentem nas costas a palmada amiga do companheiro de tantas provações que lhes transmite a certeza de uma amizade forjada na guerra, temperada com sangue e morte, mas que nem o tempo conseguiu apagar e que, com aquele abraço se reavivou.

Quantos deles não quereriam que, amanhã já, se repetisse!

Uma senhora, mais emotiva, não contém uma lágrima. De felicidade, certamente. Ou não?

 

 

2009-11-18

                           Fotografia  Marques Alves

                           Consultor para arranjo gráfico  R. Costa Pereira

                            Texto   J. Eduardo Tendeiro

 

publicado por gatobranco às 16:51 | link do post | comentar
Sexta-feira, 06.11.09

O REBENTA

 

 

 

Promovido pelo Comando do Batalhão 357 a que pertencia a nossa Companhia (CCE 306), o Rebenta era uma publicação sem data certa para sair, que pretendia criar um espaço para os militares do Batalhão escreverem, numa tentativa de quebrar a sensação de isolamento que pesava sobre todos nós.

À nossa Companhia chegaram somente dois números. Se houve mais não tivemos conhecimento deles. Também não chegaram até nós as publicações de outros Batalhões.

Pangala ficava longe....

A capa -- a parte lateral da frente do aparelho que empurrado por uma viatura ia pisando o terreno na esperança de fazer rebentar qualquer mina posta no percurso -- com um toque de humor negro, fazia justiça ao nome. É que aquele aparato era conhecido entre nós por "rebenta"

 

 

 

 O conteúdo pretendia dar espaço às Companhias do Batalhão e inseria um ou outro texto mais sério.

 

 

 

 

 

 

 Neste texto ( que vão ter que ampliar) fala-se de uma das maiores sanzalas que existiam na nossa área, logo a seguir ao Lucage, a caminho de Pangala -- a Congo di Cati ou Congo dia Cati.

Ali fomos buscar alguns dos nossos "haveres".

O texto é interessante porque refere ter sido ali que nasceu o Quicongo, a língua mais falada no norte de Angola.

 

 

 

Esta é a folha dedicada à 306 e que foi assinada pelo soldado 1/63-A Fernando Ferrer que, a esta distância não consigo reconhecer.

 

Aqui ficam mais uns "farrapos" de memória daqueles anos tão distantes e, inevitavelmente, sempre presentes.

 

J. Eduardo Tendeiro

publicado por gatobranco às 11:04 | link do post | comentar | ver comentários (3)

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