À PROCURA DA COZINHA (Relato de M.Miranda)

                    

                                  

                                   

  Seguíamos para norte, zona S. Salvador do Congo.  Mais de milQuilómetros a serem cumpridos por etapas.                                                                                                                                                                                                                Aquela 

 Esta acabava em Negaje, cidade onde me esperava um amigo - amigo de infância, o Lima - que, como militar, estava na cidade. Sabia da nossa chegada e, para receber-me, tinha preparado um jantar.   Foi então que tudo se alterou.  O Capitão, no «jeep» aproximou-se da minha viatura, onde seguia com a minha secção e dá-me aquela ordem: - Miranda, avance até encontrar o carro da cozinha e mande-o parar onde estiver e esperem lá.

  No cumprimento da ordem seguimos à procura da cozinha. Não a encontrámos e, sem saber como, estávamos em plena estrada, no descampado, já bastante fora da cidade.

   –E  agora?  Sem  pararmos, perguntei aos meus companheiros; Retrocedemos? ( recordei o que o sargento Ludovico  nos ensinou, em  Lamego, a propósito de cair  em emboscadas « nunca voltar pelo mesmo caminho».  NÃO… Avançamos. Sabia que era aquela a estrada que devíamos seguir e prosseguimos.

Estava uma noite não muito escura embora não houvesse luar; era daquelas noites que as estrelas brilham mas que as sombras assustam.

A estrada era em terra e, ao passarmos, levantava-se muita poeira.

Do nosso lado esquerdo era mata com árvores altas e parecia muito densa.  Do lado direito era terreno nu, plano; não parecia haver alguém a viver por ali.

Medo?  Ninguém dizia  mas estava bem presente.  Estávamos unidos. Uma união que tive a felicidade de sentir em todos os momentos da nossa permanência em Angola. Éramos um grupo forte.

A certa altura deparou –se-nos  uma descida vendo-se ao fundo uma ponte.  Parámos.

A ponte seria segura? Não haveria uma emboscada? O local era perfeito para isso. Mas tínhamos de decidir; recuar era impensável.  Foram três verificar a ponte enquanto nós procuramos dar-lhes segurança. Não houve qualquer problema. A ponte, em madeira, estava bem.  Novamente todos no carro, seguimos. A estrada agora era mais acidentada, o terreno já  não era plano e não havia qualquer mata. Estávamos mais confiantes. Avistámos luzes ao longe, aliviámos a tensão.  Sabíamos que só podiam ser de tropas nossas.

Não sei quanto tempo demorámos a chegar, mas foi uma eternidade.

Por fim encontrámos a estrada impedida por um engenho de paus e arame farpado; era já madrugada.  Chamei a sentinela e pedi para ser levado ao comandante da unidade. Era um capitão, portanto era uma companhia que lá estava.  Apresentei-me, contei a razão da nossa presença  e pedi que entrasse em contacto com Negaje e informasse a nossa situação.

 – À noite não há comunicações - , respondeu – me.  Chamou o soldado que nos tinha levado até ele, mandou arranjar – nos de comer e onde dormir e diz-me:

 - De manhã trata-se do assunto, durmam bem.

              Estávamos na estrada, junto ao «unimog», quando apareceu a nossa coluna.  O Capitão Sampaio, no «jeep», em andamento, viu – me, fez um gesto ameaçador com os dedos da mão direita e continuou. Nós seguimos também.

              O Capitão Sampaio jamais me disse uma palavra sobre o acontecido.  Da minha memória nunca saiu.

 

Miranda

 

Nota do então sargento de transmissões da  CCE306:

“Ao nascer do sol e com a coluna em ordem de marcha, verificou-se  que a cozinha perdida estava entre as viaturas da coluna.Não havia cozinha perdida”

 

 

 

 

 

 

 

publicado por gatobranco às 18:57 | link do post | comentar