A PRIMEIRA ACÇÃO DE GUERRA DA CCE 306
Nota prévia:
Para melhor enquadrar a nossa primeira “acção de fogo” pareceu-nos acertado dividir este relato A PRIMEIRA ACÇÃO DE GUERRA DA CCE 306 em dois capítulos que serão publicados em separado.
Um primeiro relembra a nossa deslocação para o Norte de Angola (De Luanda a Cuimba) e o segundo capítulo, (de Cuimba a Pangala) o relato da primeira acção de fogo da CCE 306.
I
De Luanda a Cuimba
Depois de algum tempo no Grafanil, campo militar às portas de Luanda, os boatos superavam as acções a desempenhar e escolhíamos os que nos pareciam mais favoráveis “Vamos para o Norte!” Isso todos sabíamos. “Vamos para S. Salvador, vai ser bestial, dizem que aquilo é bom, até temos avião para vir a Luanda”.
Porém, um dia, depois de nos terem mandado comprar artigos de higiene "para algum tempo", uma notícia
tirou-nos ilusões de opção: íamos para o norte, pois claro, para a fronteira com o Congo tapar linhas de infiltração e fazer a segurança da zona .
No dia 11 de Junho daquele ano de 62, antes de o sol timidamente começar a anunciar a sua presença a nascente, tingindo de vermelho os telhados de zinco, uma serpente a perder de vista de enorme que era, vomitada pelos portões escancarados do Grafanil, fez-se à estrada. Eram os primeiros momentos da deslocação de uma longa coluna auto que nos levava para o norte, para os nossos destinos.
Nomes que conhecíamos do estudo da geografia como locais importantes da “província Ultramarina de Angola” foram desfilando ante nós. Salazar, Camabatela, Negage, o já famoso Negage, na ainda curta história da “guerra de Angola”, decepcionantes pequenos aglomerados com algumas, poucas, centenas de residentes incluindo as forças militares estacionadas, recebiam-nos para abrigo de uma noite passada de qualquer modo, dentro ou debaixo das viaturas. Geralmente, só os oficiais tinham melhor abrigo. Para cada etapa partíamos cedo evitando o sol a que não estávamos habituados e que nos martirizaria ao longo da jornada amassando pó com suor abundante.
À medida que progredíamos para norte, sempre para Norte, a presença humana diluía-se, os pequenos agrupamentos de autóctenes rareavam e não voltámos a ter crianças a correrem ao lado das viaturas à espera de bolachas ou chocolate subtraídos das rações de combate.
(vendo a tropa passar)
Ultrapassado o Bungo, estacionámos em Maquela e aí ouvimos histórias de diamantes desviados que arranjavam a vida de alguns, de estradas cortadas e pontes destruídas.
Como habitualmente, bem cedo, marchámos para Cuimba, última paragem antes de nos lançarmos na aventura de conquistar Pangala, uma casa de adobes coberta de zinco, perdida algures, num ponto mal definido da carta militar.
Foi-nos dada a garantia de que duas pontes que iríamos utilizar estavam operacionais e, manhã cedo fizemo-nos à estrada. Capim alto, verdejante, engolia as viaturas.
Uma picada mais estreita do que as que vínhamos trilhando, acusando manifesta falta de uso era a estrada de ligação Maquela- Cuimba - S. Salvador, na qual encontraríamos um desvio para a direita em direcção a Buela. Aí se situava o local onde iríamos construir o nosso aquartelamento sinalizado pela já famosa casa com telhado de zinco que, obviamente, albergaria o comando e que teria o nome da sanzala mais próxima--Pangala.
A antena do ANGR-C9 que equipava o jeep do Comandante da Companhia no qual um rádio telegrafista e eu nos
deslocávamos ocupando o banco traseiro, matraqueava os caules grossos das beiras da picada ao sabor das oscilações da viatura, imitando rajadas de metralhadora. Em abono da verdade se diga que em cerca de mil quilómetros trilhados não tinha havido um único disparo ou ameaça à progressão da coluna, o que nos conferia um certo à-vontade.
No entanto, em Maquela, tínhamos sido prevenidos de algumas acções hostis de terroristas que destruíam pontes e atravessavam árvores nos caminhos.
(Por vezes, a picada era um lago)
O primeiro pontão foi ultrapassado sem história e, quilómetros à frente, surgiu a ponte sobre um rio mais caudaloso: grossos troncos lançados de margem a margem forrados com duas linhas de pranchas nas
quais era suposto os condutores serem capazes de alinhar as rodas das suas viaturas. Por precaução o pessoal passou a pé e os condutores, ajudados por uma multidão de voluntários que se contradiziam, lá foram deslizando pelas pranchas. As viaturas pesadas, de rodado duplo sobre pranchas vergadas com o peso, rodas exteriores
abocanhando o vazio também atingiram a outra margem.
Com a tropa de novo montado, comentando o feito, ironizando o suor dos condutores, alguns deles ainda de
mãos trémulas chupando ávidos o cigarro que os acalmaria, a coluna venceu uma pequena subida que a retirou do vale do rio e atingimos Cuimba sem dificuldades de monta.