HOMENAGEM AO MEU AMIGO E COMPANHEIRO DE ARMAS, ÂNGELO RIBAU TEIXEIRA.(17/11/937 -11/08/2012)

 

 

Que melhor homenagem te posso prestar que a de alinhar alguns excertos do muito que escreveste sobre a guerra?

Neles ressaltam a tua sensibilidade e oportunidade crítica, mas também muito do  sofrimento   que a guerra  nos impôs.

Sobram projectos que tínhamos! São eles que também vão ditar a continuidade da tua memória.

 

                           

 

 

 

“Os óculos iam para o bolso e do bolso saia um lenço, que era o lenço usado pela tropa. Era verde, grande, a lembrar o lenço tabaqueiro que o meu pai usava, e que nos fazia muito jeito. Era amarrado por cima do nariz e dava-se um nó atrás da cabeça. Assim podíamos respirar menos mal. (A caminho d Norte)”

“ Até que chegámos ao local. Desolados encontrámos a tal casa abandonada. Ficava antes da sanzala chamada Pangala, mas era ali que a nossa companhia iria ficar, mais de um ano. Que tristeza.”

 

“O Armando Barriguinha, o Adelino Carvalho e o José Monteirinho pereceram de imediato.

O David o sempre bem-disposto David, o amigo incondicional de todos nós, sobreviveu algumas horas”

 

“Mina, palavra terrível. Não é um buraco no chão donde nasce agua. É um buraco no chão, donde vem a morte. Morte terrível, corpos despedaçados...para quê?”

 

 

“É hoje o dia 30 de Setembro de 1962. Quatro meses de mato, e nada que se veja! O terceiro pelotão está operacional. Logo à noite temos de ir fazer uma emboscada. O Alferes resolve que iremos emboscar-nos na picada do Quelo. Mais uma, pensámos nós. “Tantas emboscadas feitas naquela picada, sem resultados. É mais uma, pensámos (….) As armas dispararam até que o Alferes mandou parar o fogo. (…)De madrugada descemos à picada. Eu nem queria acreditar no que via.”

 

“E pensei na minha terra, na minha família, nos colegas da escola. Por que pensa a cabeça quando o corpo está descansado? Até a dormir a cabeça não descansa. Rara é a noite em que ela não sonha com coisas extravagantes, como o estarmos a beijar o nosso filho, estarmos a ser cumprimentados pelo nosso vizinho Sarabando.”

 

“Hoje é dia de descanso do nosso pelotão. Levantei-me com a alvorada, tomei o meu café e fui à mala da roupa ver o que por lá havia. Deparei com um saco de plástico cheio de roupa suja.”

 

“Quantas vezes levei a minha máquina fotográfica comigo, e nunca consegui fotografar aquela casa. Tinha vergonha daquilo que nos tinham mandado fazer.”

 

“Nesse dia fomos fazer patrulha apeada para as bandas de Cuimba. Tudo calmo. Só era necessária mais cautela à passagem pelas sanzalas abandonadas. Havia uma coluna de reabastecimento vinda de São Salvador,”

 

 

 “Os tempos do “Norte” acabaram. As seguranças às colunas de

reabastecimento também. Com essas operações ficámos a conhecer muitas terras dos Dembos: - Nambuangongo, Quipedro, São José de Encoje, Vista Alegre…(Luanda,63)”

 

“A Rádio Ecclésia transmitia músicas de Natal. A que comecei a ouvir foi “ Noite Santa Noite Serena”, cantada pelo conjunto coral “Os Pequenos Cantores de Viena”.

Automaticamente a minha mente mudou-se para a minha terra – os meus filhos, a minha mulher, os meus pais, enfim a minha família…a Ceia de Natal na casa do forno, estavam tão longe e ali tão perto na minha memória! Natal/63”

 

“A minha secção foi a que foi fazer uma espécie de cerco (recordei-me de quando era pequeno ter feito dessas coisas para “assombrar” os pintassilgos para a palma)

O rio era baixo nalguns sítios e tinha árvores e ramos caídos, que facilitavam o seu atravessamento. O resto era mata densa”

 

“Passei em frente à igreja da Nossa Senhora da Muxima. Estava fechada. Mesmo assim não deixei de parar por momentos, e, mentalmente agradecer à Senhora da Muxima o facto de o Zé estar salvo.”

 

“No fim daquele dia, recebemos uma boa notícia.

-Amanhã vamos almoçar à Fazenda do Pai do Fernando, diz-nos o Alferes”

 

“A semana passou, e, finalmente recebemos ordens: -iríamos para Catete. Não era nada que se comparasse com Luanda, mas o Pelotão ficaria sozinho, sob as ordens do Alferes.”

 

“Afinal, os que nos ensinaram a arte de bem matar, foram os mesmos profissionais que mais tarde nos disseram que nós não tínhamos razão...”

 

 

“E nunca mais se fala do nosso regresso à Metrópole. Já passaram os dois anos e meses e nada”

 

 

“Pedi na empresa onde me tinha sido guardado o “lugar” para começar imediatamente a trabalhar.

O gerente chamou-me e disse-me para eu ir gozar um mês de férias. Expliquei-lhe o motivo porque queria começar imediatamente a trabalhar: – esquecer –. Pelo menos enquanto trabalhava, a cabeça tinha de estar no trabalho e não se distrair com o passado. Compreendeu. Eu agradeci-lhe.”

 

“Os momentos maus, vêm sempre ao de cima. Infelizmente…”

 

“Aí as bateiras dividiam-se. Umas iam para a “Cale do Oiro” onde o Ti Zé Rito amanhava uma marinha, outras seguiam em frente para as “Leitoas”, marinha amanhada pelo Ti Manuel da Branca, outras ainda seguiam para o Esteiro de Sama, onde se situava a marinha que íamos “botar a sal”.(…) Afinal tinha estado a sonhar com a mocidade, mas com tantos pormenores, que me parece ter estado a viver aqueles momentos!”

 

“À medida que o pai ia gadanhando o estrume, o Toino ia-o enfeixando, depois apertava o feixe com uma corda e transportava-o à cabeça para a bateira. O estrume era leve e a bateira estava perto, pelo que o serviço até ia correndo bem!”

 

“Magro, escanzelado, vestia uns trapos, que mesmo como trapos já haviam conhecido melhores dias, com o seu chapéu roto, mais parecia um espantalho das searas, do que um ser humano que Deus ao mundo tenha posto

Era assim o Ti António da Bicha”

 

 

“Acertada a ementa, em conversas cruzadas, o passado emergiu. Ribau e Tendeiro embrenharam-se pela fotografia, tema que os unira durante a guerra.( Almeirim, 2009)”

 

 

“Comentar para quê? Curvemo-nos perante a lei da vida, e que o Padre Arnaldo esteja no lugar que merece, com toda a sua fé.”

 

 

“É assim a vida. Tudo tem um fim. Hoje um, amanhã outro e depois outro...
E nós já cansados da vida, a nosso tempo também iremos.”

 

Adeus Ribau. Até sempre.

J.Eduardo Tendeiro

publicado por gatobranco às 21:11 | link do post | comentar