Segunda-feira, 30.03.09

Entrando na mata

 

 A guerra é desumana, cruel e obriga à tomada de decisões que marcam para o resto da  vida.

 vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv

 

A Mata
 
“Ela exerce um fascínio magnético como grande íman de polaridade descontrolada. Tem um efeito de atracção com a promessa de um pouco menos de calor no abrigo da sua sombra generosa, com a provável oferta de um manancial de água, mas sinultaneamente, produz um efeito contrário de repulsão criado pela obscuridade, pelo receio do desconhecido, pelo temor da emboscada.
A luz, mil vezes reflectida e filtrada pelas folhas, coleccionando pacientemente estranhos matizes, chega ao solo como manchas de caleidoscópio gigante que se esbate nas fardas camufladas dos intrusos e os dissimula, talvez a contragosto. A progressão do pequeno grupo de nomadização é lenta, cuidadosa por entre troncos majestosos ornados de musgos que se assemelham a cabelos desgrenhados, barbas esverdeadas e de cipós que flexíveis e laboriosos demandam a luz do sol, lá no alto. Menos exigentes, pequenas plantas rasteiras sobrevivem na penumbra e enleiam-se nas botas dos que avançam tensos, olhos semicerrados, bocas abertas, mordendo o ar húmido. Voluntários especializados, todos graduados, tentam quebrar a monotonia de uma guerra contra um inimigo invisível que põe minas, flagela de longe mas não dá a cara. É a guerrilha, eles sabem. Deslizam lentos como seda em corpo de mulher fremente. À sua frente, uma macaca surpreendida, aperta a cria contra o ventre e salta vertiginosa para o alto. Aí uma ave branca de longa cauda e bico de papagaio clama o seu protesto com um grito agudo, repetido, batendo as asas. Aquietada no ramo que escolheu, olhou para baixo e com a cabeça de lado, um olho virado para o grupo, mirou-os longamente. Mudou de ramo, talvez para melhor acompanhar a progressão dos intrusos. A mata, indiferente a esta violação, retomou a sua polifonia. Uma ligeira brisa agitou a copa distante das árvores, acrescentando mais um som ao coro imenso da natureza.
O da frente parou erguendo ligeiramente o braço. Depois, num gesto curto de convite, chamou para si os restantes  elementos. Apontou-lhes uma pequena clareira sombria à sua frente. Aí, o IN, onze elementos, comiam. A seu lado, velhas mochilas e sacos em mau estado pareciam cheios. Ao lado, duas armas automáticas e outras de repetição. Talvez um grupo de transporte de reabastecimento de víveres ou munições, quem sabe se minas…
Reunidos, iniciaram um diálogo gestual.
“Envolvimento e captura’” perguntou o da frente alongando os braços e estreitando-os contra o próprio peito
Cinco cabeças oscilaram uma negação e um, com o indicador em riste, contou-os a si próprios. “Somos poucos”…
Projectando os braços para a frente, dedos recurvados como garras, o comandante inquiriu:
“Assalto?”—a resposta tardou e veio de dois que com um veemente não formulado com o indicador a oscilar como se espantasse mosquitos, apontaram o terreno difícil que, na progressão, quebraria o factor surpresa .
O que convocara a reunião de mudos, olhando os outros, encolheu os ombros, apontou para a sua arma e descreveu com ela um leque abrangendo a minúscula clareira.
Como sinos tangendo requiem, no ar quente e bafiento cinco cabeças oscilaram a compasso.
Com um gesto largo, face crispada, apontou-lhes o caminho e com o olhar endurecido, num rictus de dor e determinação, seguiu-os até receber o sinal de prontidão de cada um.
Então, movimentando os dedos da mão direita num gesto de desentorpecimento, abarcou o punho da arma, afagou o guarda-mato, deixou o dedo resvalar para o gatilho numa carícia de morte; com a mão esquerda tacteou os ressaltos do guarda-mão como se procurasse as cordas do braço de uma viola, escolheu o alvo e, com um breve olhar para os companheiros, o coração oprimido, premiu o gatilho.
 
E a mata emudeceu num luto piedoso, mas breve. O pássaro branco de rabo comprido voltaria a fazer ouvir o seu protesto estridente. A cria da macaca largaria o aconchego do pelo do ventre da mãe e procuraria um ramo fino que os seus pequenos dedos pudessem abarcar e baloiçaria num equilíbrio incipiente. Pequenas aves, mais próximas do solo, ensaiariam novos cantos. O cheiro acre da cordite queimada desceria lento, quase discreto e seria absorvida pelo tapete de folhas mortas.
Mas, na pequena clareira daquela mata lá muito ao norte de Angola, os sinais de morte perdurariam por muito tempo.”
 
In “Delta Five Lima Alfa” de J. E. Navarro
publicado por gatobranco às 11:35 | link do post | comentar | ver comentários (3)

A PRIMEIRA ACÇÃO DE GUERRA

 

 

 

 

A PRIMEIRA PATRULHA 

 

 

O 3º.PELOTÃO RECEBEU ÓRDENS PARA SAIR. OS TRABALHOS DE GUERRA ÍAM COMEÇAR.
EQUIPADOS A RIGOR ONDE NEM O CAPACETE FALTAVA, CARTUXEIRAS À CINTA, RAÇÕES DE COMBATE NOS BOLSOS DAS CALÇAS OU DO CASACO (CABIA LÁ TUDO), CANTIL COM ÁGUA A TIRACOLO E ARMAS NAS MÃOS, ASSIM INICIÁMOS A PATRULHA. O PELOTÃO ESTAVA COMPLETO COM O OPERADOR DE RÁDIO E O MAQUEIRO, “REFORÇADO” COM A CADELA CAMATELA (NOME DA TERRA ONDE ELA SE JUNTOU A NÓS QUANDO VÍNHAMOS DO GRAFANIL). A DIRECÇÃO ERA NO SENTIDO DA ESTRADA CUIMBA/S.SALVADOR.
INICIÁMOS A MARCHA EM TOTAL SILÊNCIO. O CAPIM ERA MUITO ALTO, COBRÍA-NOS POR COMPLETO. SEGUÍAMOS A PÉ POR ONDE, DOIS DIAS ANTES, TÍNHAMOS PASSADO DE CARRO NA CHEGADA A PANGALA. NAQUELA ZONA NÃO HAVIAM MATAS JUNTO À PICADA, APENAS ALGUMAS ÁRVORES ISOLADAS. PERCORRIDOS OS 7 KLMS. QUE ÍAM DO ACAMPAMENTO AO CRUZAMENTO DA ESTRADA DE CUIMBA, ENTRÁMOS A CORTA MATO PARA OS LADOS DA CANDA. AO LONGE AVISTAVA-SE A IMPONENTE SERRA.
NAS PROXIMIDADES DA ESTRADA HAVIAM PEQUENAS SANZALAS. OUTRAS, UM POUCO MAIS DISTANTES, SITUAVAM-SE EM CLAREIRAS DENTRO DAS MATAS. TODAS HÁ MUITO ABANDONADAS. NO INTERIOR DAS HABITAÇÕES ENCONTRAVAM-SE CAMAS EM MADEIRA, QUE NÓS MAIS TARDE FOMOS BUSCAR E QUE SERVIRAM PARA DORMIRMOS DURANTE O PERÍODO QUE FICAMOS NA TENDA. ENCONTRÁMOS TAMBÉM OUTROS OBJETOS QUE ALGUNS DE NÓS ACHAVAM COM INTERESSE E METIAM NOS BOLSOS. MUITOS ESCRITOS, QUE ESTAVAM POR LÁ ABANDONADOS, DAVAM IDEIA DE QUE HAVERIA POR LÁ MUITA GENTE INSTRUIDA. TENTÁMOS LER ALGUMA COISA MAS ESTAVAM NUMA LÍNGUA QUE NENHUM DE NÓS CONHECIA.
SOBE ENCOSTA, DESCE ENCOSTA, NÃO SE VIA QUALQUER VESTÍGIO, DE “TURRAS” NEM SEQUER DE UM ANIMAL QUE ANDASSE POR ALI. AO FIM DO DIA, NUM PEQUENO PLANALTO, FIZEMOS OS PREPARATIVOS PARA PASSARMOS A NOITE. ESPALHADOS EM TODAS AS DIRECÇÕES COMEMOS AS RAÇÕES E, OS QUE NÃO ESTAVAM DE VIGIA, DEITADOS SOBRE A VEGETAÇÃO QUE NOS EVITAVA O CONTACTO DIRECTO COM A TERRA, OLHANDO AS ESTRELAS, PENSÁVAMOS NO “PUTO” E, CERTAMENTE, NO QUE TÍNHAMOS DEIXADO LÁ FICAR. VENCIDOS PELO CANSAÇO, ADORMECEMOS.
AINDA O DIA NÃO TINHA NASCIDO, SEM SER PRECISO CHAMAR NINGUÉM, ESTÁVAMOS TODOS PRONTOS PARA CONTINUAR. NUM OLHAR PELAS REDONDEZAS FORAM AVISTADAS GAZELAS QUE PASTAVAM NA ENCOSTA DE OUTRO MONTE. DERAM-SE ALGUNS TIROS SEM QUALQUER INTENÇÃO DE ACERTAR APENAS PARA VERMOS OS ANIMAIS AOS PULOS A FUGIR ASSUSTADOS.
O TRILHO QUE ÍAMOS SEGUIR AFASTAVA-NOS DA ENCOSTA DAS GAZELAS. DESCÍAMOS PARA UM VALE ONDE SE AVISTAVA FLORESTA. À MEDIDA QUE NOS APROXIMAVAMOS A MATA PARECÍA-NOS FECHADA. EM FILA INDIANA PENETRAMOS MATA DENTRO. O TRILHO POR ONDE SEGUÍAMOS TINHA ERVA E ERA CRUZADO PELOS RAMOS DE ÁRVORES E ARBUSTOS COM SINAIS DE HÁ MUITO TEMPO NINGUÉM PASSAR POR LÁ. CONTINUAVA A NÃO HAVER QUALQUER VESTÍGIO DA PRESENÇA DE “TURRAS”. CHEGÁMOS À ESTRADA QUE SEGUIA PARA S.SALVADOR E TOMAMOS O SENTIDO DE CUIMBA PARA, NO CRUZAMENTO VIRARMOS À ESQUERDA NA DIRECÇÃO DE PANGALA.
NÃO ME LEMBRO DE QUALQUER DIÁLOGO QUE TENHA TIDO COM ALGUÉM, MAS RECORDO UMA EXPRESSÃO DITA PELO JAIME A PROPÓSITO DO CANSAÇO QUANDO O CAMINHO ERA A DESCER “MEU FURRIEL, CAMINHAR NÃO CUSTA NADA É SÓ MANDAR O PÉ P`RA FRENTE"

 

MIRANDA.


publicado por gatobranco às 10:35 | link do post | comentar

mais sobre mim

pesquisar neste blog

 

Março 2009

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
24
25
26
27
28
29

posts recentes

comentários recentes

  • estruturas mais artesanais em zinco são perigosas ...
  • Sim a Companhia 307 estava em cabo Ledo/ Muxima
  • Tanto que lutou pela vida! Lá longe, há muito temp...
  • È verdade, já lá vão cinquenta anos mas está sempr...
  • Nos meus "apontamentos" alguém conversou com Deus ...
  • Esta faz-me recordar a escolta, a uma coluna de re...
  • PRIMEIROS MOMENTOS DA "ETERNIDADE" QUE NOS ESPERA...
  • Sabes?Andar à roda pode ser uma boa t+ecnica para ...
  • Com que então, o amigo Tendeiro perdido no meio de...
  • Não posso precisar o dia mas, faz este mês de Març...

Posts mais comentados

arquivos

subscrever feeds

blogs SAPO