ALMEIRIM 2009
Chegaram aos poucos como estava previsto na “missão” delineada. O planeamento fora demorado e por fim acordado o local de reunião: a gare de caminho de ferro de Santarém. Objectivo da “Missão”: confraternizar a expensas do Acréscimo Vitalício de Pensão, cada vez mais reduzido.
O Marques Alves, com a esposa compareceram cedo e, quando o Tendeiro chegou no Intercidades da Beira Baixa encontrou-o especado no cais, mirando os passageiros que desembarcavam.
Após um primeiro olhar e desfeita a dúvida inicial – não se viam há mais de quarenta anos – abraçaram-se efusivamente. Apresentada a esposa, procuraram um local mais cómodo para aguardarem o Miranda e o Ribau que tardariam ainda uma hora. A conversa entre eles era reservada, prospectiva: que tinham feito em tantos anos, quantos filhos, se havia netos. O Marques Alves mais gordo, o Tendeiro quase na mesma.
O Costa Pereira irrompeu na cena com o seu habitual ar de pesquisador, redobraram-se os abraços, quiseram saber das melhoras da Esposa que convalescia duma doença grave. A Maria Ivone recuperava lentamente. Todos se congratularam e o Tendeiro avançou mesmo que no verão seguinte ela já iria até às terras da Beira. O marido preferiu não validar o prognóstico.
Sobre a hora prevista, o Miranda, o Ribau e a esposa chegaram também e o Cura com a respectiva esposa, não tardaram.
O grupo estava completo, mas para que o Malha (pasto de AVCs) pudesse também participar, rumaram a Almeirim. Com a esposa, juntou-se ao grupo que o aguardava à porta de sua casa.
E a caravana, transpirando felicidade pelo encontro, demandou o restaurante.
À volta da mesa, as senhoras alegando necessidade de conversarem deixaram que os homens, os guerreiros de antanho, ficassem todos juntos.
Acertada a ementa, em conversas cruzadas, o passado emergiu. Ribau e Tendeiro embrenharam-se pela fotografia, tema que os unira durante a guerra. O Marques Alves, solicitado para escolher o vinho – era o seu pelouro – preferiu um alentejano.
O Miranda, ainda com o seu proverbial humor, “atacou” o Cura verberando a “riqueza” que acumulara em Pangala e Cabo Ledo, amealhando vegetais desidratados enquanto o Costa Pereira saltitava de conversa
No outro lado da mesa as senhoras conversavam. No fácies de cada uma havia marcas indeléveis de guerra ou pós guerra. Todas elas tiveram o seu tremendo papel de amortecedoras das patologias de guerra dos maridos para com a família e a sociedade.
Certamente abordaram o tema, mas eles, demasiado empenhados nas suas conversas e bravatas, não o terão notado nem reparado no olhar terno que por vezes lançavam em direcção do seu “protegido”. Desempenhavam o papel que os anos de vivência com cada um deles lhes ensinara.
Tiraram-se fotos que registariam para a posteridade o encontro já nomeado para nova edição.
A partida foi breve, quase súbita. Aqueles poucos Caçadores Especiais da CCE306 mal tiveram tempo de mostrar as suas próteses circulatórias, mas mesmo assim, ainda desnudam o ombro para as exibir. Aceitam-nas como males menores para continuarem a usufruir a vida que em tempos foi tão madrasta.
O Miranda, com o sorriso que tantas vezes lhe vimos nos piores momentos, também mostrou o seu ombro, mas sem nada, como que a dizer “aqui não entra nada”.
Efectivamente., de todos, ele será aquele que, à vista desarmada, menos mazelas apresenta.
Duas fotografias de grupo à porta do restaurante e a saída do Costa Pereira com o Tendeiro marcaram a debandada rumo a Santarém.
Mas aqueles breves abraços, necessariamente breves para evitar a explosão da afectividade contida durante o dia, são pilares de betão que os enleiam e fortalecem. Sentem nas costas a palmada amiga do companheiro de tantas provações que lhes transmite a certeza de uma amizade forjada na guerra, temperada com sangue e morte, mas que nem o tempo conseguiu apagar e que, com aquele abraço se reavivou.
Quantos deles não quereriam que, amanhã já, se repetisse!
Uma senhora, mais emotiva, não contém uma lágrima. De felicidade, certamente. Ou não?
2009-11-18
Fotografia Marques Alves
Consultor para arranjo gráfico R. Costa Pereira
Texto J. Eduardo Tendeiro