Sábado, 27.02.10

O FIM DO PESADELO

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esta fotografia, datada de 22 de Junho de 1964, não precisa de qualquer título.
A alegria patente nos rostos de cada um evidencia o final de um tormento, o fim de uma época negra na vida de todos nós. Até mesmo os militares de carreira não escapam a esta alegria envolvente.
Para trás deste dia ficam canseiras, medos, amargas vitórias, privações, que sofridas com amargura e raiva são cimento de uma amizade indelével que nos une e, quando nos encontramos espelha de novo em cada um de nós um sorriso de alegria e prazer.
Longe ficaram bons Amigos que, generosamente deram o seu sangue em vão, por uma causa perdida.
Não estão na fotografia, mas estavam tão presentes como hoje ainda o estão.
Em cada momento, em cada reunião, qualquer um de nós se encarrega de, por eles, dizer PRESENTE.
 
J. Eduardo Tendeiro
publicado por gatobranco às 11:31 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Sábado, 06.02.10

ENCONTRO INESPERADO

 

 

 

ENCONTRO INESPERADO
 
 
Como em anos anteriores, preparámos a caravana, e aí vamos de viagem até às termas de S. Pedro do Sul. Era hábito, depois do regresso de Angola, passar quinze dias fazendo tratamento termais, que aliviava de algumas maleitas, que de lá me acompanharam, e que também aliviava a minha esposa das suas artroses.
 
Chegados ao Parque de Campismo das Termas, instalávamo-nos, e agora, com a calma habitual das termas, íamos ter quinze dias de férias, fazendo os tratamentos balneares.
O Parque era calmo, não tinha muitos ocupantes embora fosse extenso. Tinha um senão para quem não gosta: - Era habitado também por cobras e sardões, nalguns locais.
 
Agora era necessário ir a um médico das Termas, pois só eles depois de exame podem autorizar os tratamentos. Havia diversos, mas um deles sempre me despertou a atenção por ser de raça indiana. Nunca calhou ser ele a observar-me.
Desta vez solicitei para ser observado por ele.
- Por quem? Pergunta-me o administrativo que me atendia!
- Por aquele indiano, respondi.
- Ele não é indiano, é um português de Goa. Vou indicá-lo na sua ficha.
- Obrigado…
 
Chegada a minha vez fui atendido pelo médico solicitado.
Vieram as perguntas que um médico normalmente faz, mas em estilo diferente.
- Alem do que consta na sua ficha, tem mais algum problema?
- Doutor, desde que vim de Angola, em certas alturas do ano, sinto uma comichão horrível, nas virilhas. Há noites que ao acordar tenho as virilhas em sangue…
- Mostra lá isso, diz-me.
Mostrei.
- Vieste de Angola, não foi o que disseste?
- Sim.
- Ummm…
- Onde estiveste?
- Pangala.
- Não conheci!
- …
- É na fronteira Norte de Angola. A sede do nosso Batalhão era em Cuimba!
- Ah! Cuimba. Conheci muito bem! E os olhos semicerraram-se como se quisessem recordar algo que estava esquecido! Abriu-os e disse-me:
- Estive lá nos anos cinquenta. Eu era o chefe da equipa da vacinação anti-variólica que esteve lá instalada e que vacinou todas as povoações em redor. E contou um caso engraçado:
- Quando fomos fazer a vacinação à sanzala da Canda, fomos de viatura, pois a sanzala ficava a Sul da Serra da Canda, era longe e era necessário levar os medicamentos. Feito o serviço, um auxiliar alvitrou-me que se fôssemos pela picada que atravessa a serra, chegaríamos mais rápido que a viatura. Aproveitei a sugestão, e na verdade, o auxiliar tinha razão…
 
 
 
serra da Canda (vista aérea)
 
Que bom seria para nós, se, quando lá estivemos, tivéssemos tido pisteiros como este, pensei…
 
Entretanto o médico rabisca numa receita e entrega-ma.
- O que tu tens é provocado pelo pólen do capim. Onde estiveres, haja pólen e tu transpires, aparecerá sempre essa comichão. Então utiliza esta solução.
 
- Pede na farmácia que te aviem esta receita e à noite lava bem as virilhas, seca-as bem e com os dedos molhados passa o líquido pelas virilhas. Dentro de dias a comichão desaparece…
A receita era:
 
- Acido salicílico………………………. 1 Grama
- Acido benzóico………………………. 2 Gramas
- Álcool a 90º ………………………. 100 Gramas
 
Agradeci, aviei a receita, apliquei como indicou o médico, e… resultou!
 
Indico-a porque pode servir para outros.
 
 
Ângelo Ribau
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

publicado por gatobranco às 18:42 | link do post | comentar | ver comentários (10)
Quinta-feira, 04.02.10

O embarque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O    E M B A R Q U E

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISBOA, 28 DE ABRIL

 

 

DE   1962

 

 

 

 

             Narrado por

            J. Eduardo Tendeiro

 

                            Fotos cedidas por

                            M.Miranda

                            R. Costa Pereira

                            Ribau Teixeira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Longas horas de comboio deixaram-nos no cais de embarque.

Acostado à doca, um velho paquete das linhas coloniais – o Quanza – aguardava adormecido.

Carregando todo o equipamento individual, ainda estranhos nos seus camuflados novos, os militares espraiaram-se por todo o espaço do cais, alguns procurando ávidos o familiar ou amigo que prometera estar presente naqueles derradeiros momentos.

 Na varanda que sobressaía por cima do cais havia agitação, gritavam-se nomes, acenava-se e um tosco cartaz proclamava” Miguel, estamos aqui”.

Indiferente à dor e nervosismo que percorria os militares, um guindaste iniciou a tarefa de meter no ventre do paquete a bagagem de porão.

 

 

 

 

 

 

Um copo de café quente retemperou se não os ânimos, pelo menos o estômago que, contraído, se contentou com pouco.

 

 

 

 

 

Peremptório, tinha proibido qualquer familiar de se expor àqueles momentos. Era desnecessário e só serviria para adensar a dor da separação eivada de incertezas quanto ao regresso.

A despeito da posição assumida para com a família, um primo de minha mulher, em terceiro ou quarto grau, mas bom amigo, morando em Lisboa não quis deixar de me dar uma palavra de conforto. Para ele, aquele ritual não era novidade. Já o tinha cumprido com um filho então em Camabatela.

Consegui que não ficasse para os últimos momentos e despedi-o com um longo abraço que prometeu repartir com a minha mulher.

Pouco a pouco, como ovelhas tresmalhadas, os soldados, depois de uma última hesitação enfrentavam as escadas do portaló e procuravam lugar na amurada, os mais destemidos trepando para as baleeiras ou para os mastros.

Um ronco curto do monstro foi o sinal de que o momento chegara.

Como formigas, demandámos as escadas de acesso do navio, empurrados pelos que vinham atrás.

Sem para isso ter contribuído, encontrei-me apertado contra a amurada. O Quanza, acusando o peso de quase um milhar de militares acumulados a estibordo, inclinou-se numa vénia. O espaço antes ocupado pelos militares era agora preenchido por familiares que, vencendo possíveis barreiras, tentavam uma proximidade final dos que abalavam.

O comandante do batalhão, acompanhado pelo porta-estandarte e mais alguns oficiais, subiram as escadas de acesso ao barco, encerrando o embarque das tropas.

Retirada a escada, pessoal de bordo soltou as amarras que na proa e à ré ligavam o barco a terra. As grossas cordas libertas das suas prisões, como cobras, rastejaram pelo convés e mergulharam na água com um som sinistro, arrepiante.

Três roncos cavos, uivos de mau prenúncio saíram das entranhas do barco. Um pequeno rebocador, afocinhou o monstro à proa, criando distância do casco ao paredão do cais.

À ré a água suja da doca turbilhonou e com frémito de velho inseguro nos seus passos, o Quanza auxiliou o trabalho do rebocador.

Gritos lancinantes e acenos frenéticos cresceram entre os que ficavam. No meio da multidão, uma jovem levantava acima da cabeça uma criança de tenra idade que, assustada, chorava.

Recuei, o meu lugar foi tomado de assalto e acendendo um cigarro com mãos trémula, encaminhei-me para a amurada de bombordo, deserta.

Imponente, hierático, o Cristo Rei, talvez indiferente à tragédia que se desenhava no cais onde lenços brancos, desvairados, alongavam o adeus dos que ficavam, de braços abertos, parecia contemplar friamente aquele cenário de dor.

Se acreditasse em promessas, seria o momento de fazer uma, prometendo ao Cristo Rei qualquer coisa se ele me concedesse o favor de eu voltar vivo. Mas as promessas a Deus sempre tiveram para mim o aspecto de um negócio, de um forcing “ Se me concederes isto, dou-te aquilo”

Por entre o fumo do cigarro que me marejava os olhos, afirmei fitando-O:

“Vou voltar e quero esses braços bem abertos para me receberes.”

 

 

Fim

publicado por gatobranco às 16:28 | link do post | comentar | ver comentários (3)

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